HMP Advogados

31/03/25

Herança Digital

Quando acontece o óbito e o falecido deixa bens, inicia-se o processo sucessório, com normas bem pontuadas sobre quem são os herdeiros e como estes bens serão distribuídos aos seus herdeiros. Os bens deixados por uma pessoa podem ser os mais diversos, como terreno, apartamento, carro, moto, saldos em contas bancárias, bens deste tipo são os mais comuns. 

E a nossa legislação está preparada para este tipo de evento diante destes bens físicos, mas ainda não preparada para enfrentar as discussões sobre a herança digital deixada por uma pessoa, pois a atual lei é de um momento histórico em que não se falava em patrimônio virtual, à época muitos inexistentes outros insignificantes.  

A evolução das redes sociais, a integração de vários aspectos do dia a dia com a internet, o armazenamento de informações nas nuvens ou outros dispositivos eletrônicos, faz com que cada vez mais o patrimônio digital esteja presente nos bens deixados pela pessoa falecida. 

E a herança digital, o patrimônio virtual, legado digital que alguém pode deixar são os mais diversos, por exemplo: contas em redes sociais (Facebook, Instagram, LinkedIn, Twitter, blogs, canais de YouTube), seus arquivos digitais (textos, áudios, músicas, vídeos, imagens), dados financeiros, moedas digitais, contas online, milhas aéreas, senhas de e-mail, pontuação em programas de fidelidade entre outros.  

A herança digital pode ser dividida em bens digitais, tais como contas em redes sociais e arquivos digitais, e, em informações digitais, ou seja, informações confidenciais como senhas e códigos de acesso.  

O que caracteriza a herança digital é que ela é um ativo intangível que pode ser comercializado, compartilhado ou distribuído por meio eletrônico, existente apenas na forma de dados e não fisicamente, que pode ou não possuir valor econômico, assim como pode ou não possuir valor afetivo aos herdeiros.  

E como fica o destino destes bens, visto que eles têm uma natureza diferenciada dos bens físicos?

Há quem entende de forma mais ampla, permitindo o acesso aos dados digitais como parte da herança, enquanto outros exigem evidências claras de que a pessoa falecida teria concordado em compartilhar seus dados ou conceder acesso a uma determinada pessoa, ou, que, por exemplo, as contas de redes sociais não podem ser herdadas por constituírem direito de personalidade, portanto intransmissível, nos termos do art. 11 do Código Civil:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. 

Quanto às redes sociais, por vezes, as plataformas possuem regras próprias para a gestão destes bens, até porque, acessar uma conversa de alguém já falecido, pode revelar opiniões negativas, ressentimentos e mágoas a uma pessoa que não decidiu dar publicidade do conteúdo a terceiros.  

Algumas plataformas oferecem a opção de criar um “contato herdeiro”, pessoa esta que pode gerenciar certas funções ou excluir a conta. Há plataformas que permitem transformar a conta do falecido em memorial, ou seja, manter o perfil ativo, com a informação de que a pessoa é falecida. 

Quanto às milhas aéreas, alguns programas estabelecem que a conta se encerrará com a morte do titular, não sendo possível a transferência. 

O problema é que não há lei específica sobre a herança digital. A atualização do Código Civil trata do tema, mas depende de apreciações e trâmites para eventual aprovação. 

Há quem defenda que os bens digitais podem ser protegidos e herdados da mesma forma que os direitos autorais, patentes e marcas registradas. 

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais também faz parte dos debates, pois ela reforça a proteção de informações pessoais mesmo após a morte. Há também o Marco Civil da Internet que ajuda na discussão, mas não resolve as especificidades. 

Quando a herança digital é composta por bens que possuem valor econômico facilmente aferível (tais como as moedas digitais), a partilha entre os herdeiros não se mostra como um problema, devendo os bens constar na relação dos bens deixados pelo falecido, para posterior transferência ao patrimônio dos herdeiros; diferente dos bens digitais com valor afetivo, ou informações como senhas, códigos de acesso, que trazem conflitos entre princípios jurídicos que merecem ser considerados. 

Nos inventários, quando há um mescla de bens físicos e digitais, é possível nomear mais de um inventariante para administrar os bens (nomeação plúrima de inventariante), e que por vezes, esta pode ser uma ótima opção, nomeando um inventariante para assumir a administração/manutenção da herança digital e outro para os demais bens. 

Enfim, há para alguns, que a vida digital é tão ou mais importante que nossa vida analógica (basta ver como muitos ficam quando estão sem bateria em seus celulares), e por outro lado, há desafios para a herança digital. 

Mas as pessoas podem adotar medidas proativas para garantir que seus bens e informações digitais sejam mantidos adequadamente após a sua morte, e para isto, uma opção que se tem é a pessoa em vida, disponha da sua vontade para quando do seu falecimento através de um testamento ou codicilo (art. 1.857 do Código Civil), deliberando em vida a quem pertencerá o patrimônio digital, evitando ou abreviando eventuais discussões a respeito. 

O tema herança digital ainda é recente no meio jurídico, com diversos debates a respeito, com entendimentos divergentes, com desafios e decisões que estão se adequando às diversas situações da evolução da tecnologia, e uma adequada regulamentação da sucessão dos bens virtuais será muito bem-vinda para resolver diversos embates existentes no assunto.

Veja mais conteúdos

Rolar para cima