Justiça aumenta pensão paga por pai que foi morar no exterior
29/07/24 Justiça aumenta pensão paga por pai que foi morar no exterior Decisão levou em conta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. A Justiça do Rio Grande do Sul determinou o aumento da pensão alimentícia em benefício de uma criança cujo pai se mudou para o exterior. A decisão é da 1ª Vara Cível de São Leopoldo e levou em conta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. A mãe da criança pediu a majoração da pensão alimentícia, paga pelo pai, determinada na ação de divórcio consensual, em 2020, de aproximadamente R$ 2,4 mil para R$ 5 mil. Ela argumentou que o genitor se mudou para a Alemanha, onde passou a ter renda maior. Embora não haja prova, no processo, acerca da efetiva renda recebida atualmente pelo pai, a juíza responsável analisou que há elementos que indicam a modificação da capacidade financeira dele, já que “mudou de país para trabalhar dentro de sua área profissional, com remuneração, presumidamente, na moeda do país em que reside”.A decisão salienta que, diante da mudança, há uma redução da convivência paterna, portanto, observa-se o aumento das despesas com a criança, que permanece majoritariamente sob os cuidados da mãe. A sentença leva em conta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que aponta, no âmbito do Direito das Famílias e Sucessões, que “as relações domésticas são marcadas pela naturalização dos deveres de cuidado não remunerados para as mulheres”. “Ao pai foi possível alterar de país, almejar maiores rendimentos, especializar-se e realizar-se profissionalmente na área escolhida. Isento de maiores responsabilidades com o cuidado diário de uma criança, tarefa que relegou exclusivamente à figura feminina que, inadvertidamente, exerce o maternar solo 24 horas por dia, privada de sonhar os mesmos sonhos. Paternar à distância certamente é mais fácil e mais barato. Nada mais justo, diante desse cenário de sobrecarga feminina, que a compensação financeira acompanhe essa realidade”, diz um trecho da decisão. Responsabilidade Para a advogada e psicanalista Tânia Nigri, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão pode ser lida como uma “grande conquista”. “É um passo significativo para reconhecer a realidade das mulheres que assumem a maior parte das responsabilidades domésticas e de cuidado dos filhos”, defende.Segundo ela, a análise do caso foi além dos critérios tradicionais de avaliação financeira para reconhecer o valor do trabalho doméstico, em geral invisibilizado e realizado por mulheres. “Ao considerar a sobrecarga enfrentada pela mãe, que cuida sozinha da rotina e das necessidades do filho, agravada pelo fato de o pai ter se mudado para o exterior, a decisão coloca em prática uma visão mais ampla e justa, conforme indicado pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do CNJ”, afirma. Para a advogada e psicanalista, o caso pode servir como um importante precedente para casos semelhantes, na medida em que “sinaliza ao Judiciário a importância de considerar essas contribuições invisíveis”. “Isso pode levar a uma maior valorização do trabalho de cuidado e a decisões mais justas, que realmente reflitam a realidade das famílias brasileiras”, comenta. Lançado em 2021, o protocolo busca capacitar e orientar a magistratura para a realização de julgamentos, com diretrizes que traduzam um novo posicionamento, com maior equidade entre homens e mulheres na Justiça. A norma, que é obrigatória desde 2023, foi criada com o objetivo de que os magistrados não interpretem casos concretos com parcialidade ou marcados pelo machismo estrutural. O texto ressalta ainda a influência do sexismo, do racismo e da homofobia em todas as áreas do Direito, o que não é exclusivo à violência doméstica. “O protocolo é fundamental para o Direito das Famílias. Ele promove uma abordagem mais justa e equitativa nas decisões judiciais, ajudando a identificar e combater as desigualdades de gênero. Com essa ferramenta, o Judiciário pode reconhecer e valorizar o papel das mulheres no trabalho doméstico e na criação dos filhos, ainda ignorados pelos magistrados, emitindo decisões que realmente reflitam a realidade das relações familiares e promovam a igualdade de gênero”, diz Tânia Nigri. E avalia: “Utilizar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ é essencial para garantir que as decisões judiciais sejam mais justas e reflitam as desigualdades de gênero, ainda muito presentes na sociedade brasileira”. Processo 5012016-97.2024.8.21.0033/RS. 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