HMP Advogados

15/10/25

STF afasta cobrança de ITCMD sobre doação ou herança no exterior

Uma lacuna legislativa tem permitido a contribuintes receberem doações ou herança sem pagar o ITCMD. São casos envolvendo transmissões de bens instituídos no exterior. Em duas decisões recentes, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afastou a cobrança do imposto estadual. 

Uma delas já foi ratificada pela 1ª Turma e a outra é analisada nesta semana, no Plenário Virtual. São as primeiras manifestações do Supremo sobre o assunto, de acordo com tributaristas. Nos dois processos, a ministra negou recursos do Estado de São Paulo e manteve o entendimento do Tribunal de Justiça (TJSP) de que não há respaldo legal para a tributação.

A tese dos contribuintes é que não há norma vigente válida que autorize a incidência do tributo – lei complementar federal ou estadual. 

O ITCMD incide sobre doações e heranças e a alíquota varia de 4% a 8%. A polêmica surgiu com a edição da Emenda Constitucional nº 132/23 – a reforma tributária. O texto estabelece que, enquanto não for editada lei complementar sobre o tema pelo Congresso Nacional, valem as normas estaduais.

Os ministros definiram que os Estados e o Distrito Federal não possuem competência legislativa para instituir a cobrança de ITCMD sobre doações e heranças no exterior (RE 851108).

De acordo com eles, a Constituição Federal estabelece que cabe à lei complementar federal e não a leis estaduais – regular a questão.  

Um dos casos trata de doação feita por contribuinte no Reino Unido para donatário em São Paulo (RE 1553620). Na visão da relatora, o TJSP aplicou de forma correta a tese de repercussão geral do STF. Ela seguiu o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR).

A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz- SP) entende que é possível cobrar o imposto mesmo sem nova lei estadual. Na visão do órgão, a EC 132/23 torna novamente válida a Lei nº 10.705, de 2000, considerada inconstitucional.

“Como assinalado no acórdão recorrido, a ausência de base legal a sustentar a cobrança do imposto estadual torna inviável o reconhecimento da incidência tributária na espécie em exame, mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 132/2023”, diz ela no voto.

A PGE-SP, no recurso, argumentava que o imposto poderia ser cobrado a partir de 2023, por conta da emenda constitucional. Mas sobre esse ponto, a ministra afirma que envolve reanálise de prova, o que não pode ser feito pelo STF. No novo agravo em análise nesta semana no Plenário Virtual, a ministra voltou a rejeitar o pedido do órgão e aplicou multa de 1% por “abuso do direito de recorrer” se o entendimento for unânime. Ainda faltam os votos dos outros quatro ministros. 

O segundo processo envolve a transmissão de quotas de uma empresa localizada nas Ilhas Britânicas, em razão de abertura de sucessão no Brasil – repasse de uma mãe aos filhos. Nesse caso, em segredo de justiça, a ministra frisou que é preciso não só lei estadual, mas lei complementar para permitir a incidência do ITCMD – na ação, o tributo cobrado é de R$ 3 milhões.

“É necessária, nos termos da alínea a do inciso III do parágrafo 1º do artigo 155 da Constituição da República, a edição de lei complementar federal disciplinando as normas gerais para a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, quando envolver doador residente ou domiciliado no exterior e os bens doados estiverem localizados em território brasileiro”, afirma a relatora na decisão, mantida pela 1ª Turma por unanimidade. Entendimento da ministra está alinhado com a jurisprudência do Supremo”

“O STF tem declaração de inconstitucionalidade envolvendo praticamente todos os Estados, determinando lei complementar. “A Constituição ainda exige a lei complementar, mas, com a emenda constitucional, entendo que a partir da edição dessa nova lei, o Estado poderá cobrar o imposto”, completa. Segundo advogados, a situação ocorre em outros Estados, como Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, que também não editaram novas leis sobre o assunto desde 2023. Já Paraná, Pernambuco, Amazonas, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia criaram novas normas. 

O advogado Ricardo Santos, sócio do Lefosse, afirma que as decisões de Cármen Lúcia chamaram a atenção do mercado. Na visão dele, o entendimento da ministra “está alinhado com a jurisprudência do Supremo”. “A tese do Fisco é a questão da constitucionalidade superveniente e já houve algumas decisões do STF que reconheceram não existir constitucionalidade superveniente”, diz ele, citando o RE 390840 e o RE 346084. 

“Se uma lei foi declarada inconstitucional, é necessária uma nova prevendo a instituição do tributo.” Ele também lembra de dois julgados de 2025 em que o Supremo afirmou não ser necessário os Estados editarem novas leis para a cobrança, mas elas só produziriam efeitos a partir da edição da lei complementar (RE 1525264 e RE 1527727). 

Santos reforça que entre 2021, quando o Supremo declarou a lei de São Paulo inconstitucional, e 2023, quando foi editada a EC 132, não se pode cobrar o tributo. “A partir de 2023, com a lei nacional, aí sim todos os Estados puderam passar a ter uma lei cobrando o imposto, mas nem todos editaram”, diz. Em nota, a PGE-SP afirma que recorrerá das decisões, para que se reconheça a vigência do artigo 16 da EC nº 132/2023 e “a plena eficácia do artigo 2º da Lei Estadual nº 10.705/2000”. 

“A PGE-SP permanece convicta de que a reforma tributária realizada pelo artigo 16 da Emenda Constitucional nº 132/2023 supriu diretamente o vácuo legislativo identificado pelo STF no Tema 825 da repercussão geral e na ADI 6.830 e ampliou a eficácia da legislação tributária estadual para autorizar a cobrança do ITCMD sem distinção entre transmissões nacionais e internacionais”, diz.

Veja mais conteúdos

Rolar para cima