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19/02/25

O afeto familiar na relação com animais de estimação

As relações familiares contemporâneas estão baseadas no amor e no afeto e o direito tem reconhecido vínculos que vão além das fronteiras do biológico ou conjugal, a exemplo da multiparentalidade, da parentalidade socioafetiva, onde os papéis familiares estão alinhados de acordo com a vontade dos componentes da célula mater da sociedade.

E o núcleo familiar tem se estendido também para os animais de estimação da família, de forma a protegê-los como membro da família, em um tipo de família multiespécie, tanto é que, desde o ano de 2017, foi lançada campanha nacional denominada Identpet, para que os tutores tenham a possibilidade de registrar publicamente a identidade do seu PET junto ao Cartório de Notas, Títulos e Documentos, com base no artigo 127, parágrafo único da Lei 6.015/73, facilitando a identificação do animal para viagens, por exemplo.

Aliás, os PET´s estão tão presentes nas responsabilidades familiares que uma das preocupações é o bem-estar do animal, com quem ele fica durante o dia, quem é o veterinário de confiança, exames e cirurgias que são realizadas, há rede hospitalar própria e até planos de saúde! São também protegidos pela Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), onde há previsão de sanções penais e administrativas para quem pratica abuso, maus-tratos, fere ou mutila animais, entre eles, os domésticos ou domesticados.

Recentemente, o TJSC, reconheceu ausência de lesão ambiental em caso de guarda de papagaio, processo em que a tutora foi absolvida em ação penal após comprovar vínculo afetivo com a ave. Na sentença, o magistrado assegura que:

Em um contexto no qual o animal já mantém extenso convívio com a ré e recebe o devido afeto, bem como todos os cuidados necessários à sua saúde e bem-estar, a permanência do papagaio sob a responsabilidade do interessado não resulta em violação ao bem jurídico tutelado, no caso o equilíbrio ambiental”.

O juiz enfatizou que a decisão contrária à manutenção da guarda do papagaio com a tutora poderá resultar em aumento do sofrimento a Billi, o que violaria a primazia do bem-estar animal. 

Como efeito deste cenário contemporâneo de relações familiares que incluem PET´S, percebe-se a intensificação de disputas judiciais, de acordos e de defesa de interesses que os envolvam, não mais como simples objeto, mas se aproximando à figura de um quase sujeito de direito, em especial nos itens de guarda (com quem fica?), alimentos (quem paga quanto?), visitas (ao tutor não guardião, quando, quanto tempo etc.) e o direito de decidir sobre a condução da vida do PET, a exemplo de tratamentos de saúde, creche, psicólogo, adestramento, etc. 

Nesta esteira, recentemente, em dezembro de 2024, foi sancionada a Lei 15.046, que autoriza a criação do Cadastro Nacional dos Animais Domésticos, de responsabilidade de cada município, cujos benefícios esperados incluem maior segurança na identificação do PET, controle de zoonoses e proteção ao bem-estar do animal, auxiliando nas políticas públicas de combate aos maus tratos e abandono de animais. 

No cadastro, constarão informações tais como (artigo 2º, IV, da Lei 15.046/24):

  1. a) o número da carteira de identidade e do Cadastro de Pessoas Físicas da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do proprietário do animal;
  2. b) o endereço do proprietário;
  3. c) o endereço onde o animal é mantido e sua procedência;
  4. d) o nome popular da espécie, a raça, o sexo, a idade real ou presumida do animal, as vacinas aplicadas e as doenças contraídas ou em tratamento;
  5. e) (VETADO);
  6. f) o uso de chip pelo animal que o identifique como cadastrado;

Chama atenção o fato de que, de acordo com esta lei, caberá ao proprietário informar qualquer alteração no cadastro, inclusive eventual morte do animal e a causa, ou seja, semelhando ao registro civil das pessoas naturais, onde há certidão de nascimento, informações de casamento, divórcio e o óbito.

Resultado desta oficialização de registro e de controle da identidade dos PET´s, ainda que não obrigatória, em disputas sobre a guarda (não a posse) dos PET´S, eles serão identificados não só pelo “apelido”, mas também com nome e sobrenome, proprietário(s), raça, sexo, idade e características em geral, anexando-se o respectivo documento e havendo mudança de endereço ou do tutor guardião, bem provável será emitido ofício à Municipalidade, para que proceda a devida averbação no Cadastro Nacional dos Animais Domésticos e, quem sabe em breve, o tutor não guardião, pagador de pensão alimentícia, poderá se utilizar do benefício de declaração de dependentes, também para efeitos fiscais.

A família e suas características são retratadas conforme o movimento social e os anseios da comunidade, cuja resposta vem na forma de lei e de decisões judiciais. Amor e afeto são características humanas e os animais respondem muito bem a estes anseios, como no caso do Billi, o papagaio PET.

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