HMP Advogados

30/04/25

Taxação deve levar em conta dividendos e impostos de empresas

Para passar a cobrar Imposto de Renda sobre dividendos, o governo vai se inspirar no modelo utilizado na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse um integrante da equipe econômica. Lá, os impostos pagos pela empresa e aqueles recolhidos sobre dividendos são considerados de forma conjunta.

Essa medida é parte da reforma do IR que o governo pretende enviar em breve ao Congresso. O centro da proposta é a elevação do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 5 mil.

Esse aumento provocará perda de arrecadação da ordem de R$ 35 bilhões, o que será compensado com a instituição de taxação mínima de até 10% para os que ganham mais de R$ 50 mil ao mês – aí incluídas todas as rendas, inclusive dividendos.

“Dividendos são, sim, tributados, só que são tributados na pessoa jurídica”.                 

— Tiago Conde Teixeira

A fonte comentou ser muito comum os países analisarem em conjunto a tributação da fonte pagadora (a empresa) com a tributação de quem recebe (o sócio). “Faz sentido”, disse.

As pessoas de renda mais elevada recolhem pouco imposto como pessoa física no Brasil, se comparadas aos assalariados, que são tributados na fonte, disse. Mas, explicou, existe a taxação da empresa, que precisa ser levada em conta. Quando isso é feito, a tributação dos ricos não é tão baixa assim.

Segundo relatos de tributaristas como a OCDE cobra impostos sobre dividendos? “Existem vários modelos possíveis”, disse Daniel Loria, sócio do escritório Loria Advogados e ex-diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (Sert). Ele disse não saber como a Receita Federal vai acoplar regras da OCDE à reforma do IR.

No geral, afirmou, os países taxam a distribuição de dividendos, mas concedem um crédito tributário pelos impostos pagos pela empresa da qual a pessoa é proprietária ou sócia. Se o modelo fosse aplicado ao Brasil, os dividendos recebidos poderiam ser tributados em até 27,5%, conforme a tabela do IRPF, e haveria um crédito pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) recolhidos pela empresa, explicou.

No entanto, os países da OCDE têm abandonado esse modelo que pressupõe a concessão de crédito tributário por outro. “A alíquota é dividida”, explicou a tributarista Helena Trentini, que atuou na OCDE e hoje é sócia do escritório Heleno Torres Advogados.

A Irlanda, por exemplo, taxa o lucro da empresa em 12% e os dividendos em 51%. A Lituânia usa uma combinação mais equilibrada: 15% na empresa e 15% no dividendo.

O objetivo dos países é reduzir a tributação sobre o lucro das empresas, de forma a estimular a atividade econômica, disse a especialista.

Ela lamentou que, no Brasil, essa discussão ocorra num cenário em que o governo precisa elevar a arrecadação para compensar o déficit gerado pela elevação da faixa se isenção. O risco, disse, é haver apenas a instituição tributação sobre dividendos, sem olhar para a tendência mundial de redução do Imposto de Renda sobre as empresas.

Aqui, a renda das empresas é tributada em 34%, somando as alíquotas do IRPJ e da CSLL. “É muito alta”, afirmou. Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, por exemplo, cobram 25%.

Se, aos 34% forem acrescentadas uma tributação sobre dividendos, o resultado será “uma alíquota totalmente desvirtuada, que não tem em nenhum país do mundo”, apontou a tributarista.

Os resultados fiscais dessa mudança são incertos, observou Trentini. “Não se sabe quanto poderá ser arrecadado sobre dividendos, porque muitas empresas simplesmente vão deixar de distribuí-los.”

Além disso, informou, a alíquota brasileira é alta porque em 1995 a tributação dos dividendos – que existia até então – foi fundida com a alíquota cobrada da pessoa jurídica. Essa mudança, feita para facilitar a fiscalização, concentrou a tributação na empresa e deixou a distribuição dos dividendos livres de taxação.

É por isso que especialistas afirmam não ser verdade que a distribuição de dividendos é isenta no Brasil. “É mentira”, afirmou o advogado Tiago Conde Teixeira, sócio do escritório SCMD. “Dividendos são, sim, tributados, só que são tributados na pessoa jurídica.”

Dessa forma, na sua visão, a taxação sobre a distribuição sobre dividendos na pessoa física, como pretende o governo, seria uma bitributação: o mesmo imposto cobrado sobre a mesma base duas vezes. “Isso é inconstitucional.”

A vantagem do modelo de alíquota dividida da OCDE sobre o que existe hoje no Brasil é dar mais incentivo ao reinvestimento, explicou Trentini. Hoje, do ponto de vista da tributação, é indiferente se o lucro é utilizado para expandir a empresa ou para distribuir aos sócios. “Ele já foi tributado em 34%”, ressaltou.

Se a alíquota fosse dividida entre empresa e acionistas como é feito na OCDE, a alíquota cobrada sobre o lucro da empresa seria menor. Ela dá um exemplo: se a empresa tem lucro de R$ 100 e a taxação é de 25%, então ela pagaria R$ 25 em impostos e sobram R$ 75. Se a opção for por reinvestir, não há mais taxação sobre os R$ 75. Se, por outro lado, forem distribuídos como dividendos, então haveria uma tributação adicional, da ordem de 15%.

Nesse caso, sobrariam mais recursos para reinvestir, e esses já estariam livres de outra tributação. Se, por outro lado, a opção for distribuir dividendos, esses sofreriam mais uma taxação.

Risco para contas públicas

A ideia de elevar o limite de isenção do IRPF para R$ 5 mil é vista por especialistas como um risco para as contas públicas, pois não é possível prever o resultado das discussões no Congresso. Líderes já se manifestaram de forma contrária ao aumento de impostos, independentemente que seja para a alta renda. Nesse caso, há risco de a perda de arrecadação não ser totalmente compensada, diferentemente do que vem defendendo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Além da insegurança na frente fiscal, há também uma contraposição entre o novo limite de isenção e a estratégia do Banco Central para combater a inflação.

Na avaliação de Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, no atual cenário de mercado de trabalho aquecido, essa maior propensão ao consumo, com a isenção, significaria sim uma pressão inflacionária maior, já que haverá impacto direto no consumo da classe média. “Para 2026, no entanto, ainda é cedo para estimar, pois vai depender de como será a evolução da atividade e da geração de empregos ao longo do ano”, ponderou.

“Aumento de gastos, seja em maiores transferências, seja redução do imposto sobre a renda, em uma economia próxima da sua capacidade não vai gerar crescimento, apenas mais inflação”, comentou.

Felipe Salto, sócio e economista-chefe da Warren Rena, avaliou que, mesmo havendo neutralidade fiscal, “os efeitos líquidos sobre a demanda da economia seriam possivelmente positivos, pressionando inflação”.

Isso porque a compensação, ele analisou, ainda que venha em montantes suficientes, pode acabar incidindo em uma fatia da população mais rica.

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